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Vivo na cidade privada. Uma cidade privada é uma contradição, pois a cidade, como o lugar dos cidadãos e cidadãs, é um lugar público por excelência. Mas a cidade que vivo é uma cidade privada.

Na cidade privada, as pessoas cuidam daquilo que é privado. Do pátio prá dentro se cuida, se planta, se recolhe o lixo, se apara os arbustos, se cuida dos bichos. Do pátio prá fora faltam calçadas, faltam plantas, falta cuidado, falta capricho. Do pátio prá fora é espaço de ninguém. Aí se rouba e se depreda. Aí se corre risco. É um espaço de não gente.

Na cidade privada, não há parques públicos. Os poucos ensaios de praças são mal cuidados, ocupados por quem está excluído e se exclui do público e do privado. Os parques são clubes… bem pagos. Os pátios são parques privados, para pouquíssimos. Os parques são feitos de edifícios, belos e privados. Edifícios que crescem sem ordem, sem sentido público. Apenas o privado germina a selva de pedras privada.

Na cidade privada, carros privados têm mais espaço que gente. Andam por todas as partes, fazem barulho, irritam, trancam. São capsulas privadas ocupando o que é público. Não respeitam as regras e os limites… públicos, pois são privados. Quanto mais custam, mais valem na disputa privada nas ruas públicas.

Na cidade privada, os centros históricos são sucateados, largados, comprados, pois o privado não tem memória, não tem passado, não tem futuro, só tem presente, para ser gasto, usado, mostrado e exibido. O centro histórico vai prá privada, no sentido de banheiro, lugar onde deixamos os excrementos humanos.

Na cidade privada o público – a educação, a saúde, o lazer, o transporte – é ruim, para que o privado seja bom. Na cidade privada a festa é privada, é cara. Na cidade privada vamos dia-a-dia deixando de ser público. E deixando de ser público, vamos deixando de ser cidadãos e cidadãs. E deixando de ser cidadãos e cidadãs, vamos deixando de ser cidade. E deixando de ser cidade, vamos deixando de ser gente.

Uma boa semana, na cidade privada, onde vivo e vivemos. P. Júlio C. Adam

Eu vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu,

adornada como uma esposa ataviada para o seu marido.

Apocalipse 21.2